Coordenador da Secção

Coordenador: José Manuel Castelo Branco Prata ( ps.edu.porto@gmail.com)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Estudar para ser livre













Maria de Lurdes Rodrigues



Muito se tem falado sobre o desemprego de jovens qualificados e das dificuldades da geração “nem-nem”, isto é, dos jovens até aos 35 anos que não estudam nem trabalham e vivem, muitas vezes, em casa dos pais. O debate sobre o tema ganhou novo fôlego com a canção dos Deolinda e com a (esperada) instrumentalização do descontentamento nela expresso. E se a causa é boa e merece reflexão e acção, o refrão que a tornou conhecida é péssimo.
Comecemos pelo fim. Em primeiro lugar, o problema do desemprego em Portugal resulta, antes de mais, da nossa incapacidade para produzir riqueza, para fazer crescer a economia. Sendo este o obstáculo a ultrapassar, o investimento na qualificação faz parte da solução, não do problema. No plano individual, estudar é a única alternativa de futuro, mesmo que não seja uma garantia de sucesso. Por maior que for a desilusão com a situação de emprego dos jovens de hoje, devemos insistir sistematicamente neste ponto: estudar continua a ser a melhor alternativa para os jovens. Mais estudos significam mais oportunidades, não menos, mais esperança, não menos. O país pode estar mal apesar da melhoria dos níveis de qualificação dos jovens. Mas não ficará melhor sem essa qualificação. Os jovens podem ter dificuldades apesar dos estudos, mas não ficarão melhor se desistirem de estudar. Desvalorizar hoje o estudo quando confrontados com as dificuldades de inserção no mercado de trabalho equivale a voltar aos tempos do trabalho infantil desqualificado que tanto tempo levou a eliminar.
Em segundo lugar, lembro que o facto de muitos jovens terem de emigrar para encontrar oportunidades de estudo e de trabalho é algo que é mais positivo do que negativo. Os jovens das actuais gerações têm possibilidades de escolha de percursos profissionais num espaço mais aberto e competitivo, onde podem ser excelentes ao lado dos melhores, em todo o mundo. São oportunidades de liberdade que resultaram da qualificação, da democratização e da participação na União Europeia. O país não seria melhor, e a vida dos jovens seria certamente pior, se estes estivessem proibidos de passar a fronteira livremente ou se, fazendo-o, apenas pudessem almejar os piores dos empregos disponíveis.
Apesar disto os jovens dizem: não chega! E dizem-no com razão. Em matéria de emprego, o contrato intergeracional de hoje é muito injusto. É urgente mudar esse contrato e melhorar as condições de entrada dos jovens no mercado de trabalho. Trata-se de uma mudança necessária não só para promover o crescimento económico como para garantir mais justiça social e geracional. Para a mudança ser efectiva é necessário enfrentar e vencer quatro desafios.
Em primeiro lugar, é preciso continuar a reduzir o abandono precoce e a melhorar os resultados escolares. Não chega garantir que todos os jovens frequentam a escola, é necessário garantir que todos aprendem, que todos têm uma escolaridade efectiva, tão longa quanto possível, exigente e de qualidade. Quanto mais qualificados forem os jovens, melhores serão as suas condições para entrar e sobreviver no mercado de trabalho.
Em segundo lugar, é indispensável remover obstáculos corporativos à entrada no mercado de trabalho. Qual o sentido de se exigir a jovens licenciados o pagamento e a realização de exames e de estágios não remunerados com duração de três anos? Estarão as ordens profissionais a interpretar correctamente o poder que o Estado nelas delegou? São os jovens de hoje menos capazes que os das gerações anteriores?
Em terceiro lugar, temos que melhorar a organização e o funcionamento das empresas, das universidades, dos centros de investigação e dos organismos da administração pública, para assim melhorar a capacidade de atracção e de integração de jovens qualificados. A liderança das organizações pertence às gerações mais velhas, para quem, em regra, a antiguidade é um posto. Porém, os jovens têm legítimas expectativas de carreira e, sobretudo, têm as competências indispensáveis à melhoria da nossa capacidade competitiva.
Finalmente, é preciso tornar mais justas e equilibradas as condições de substituição de gerações no mercado de trabalho. As gerações mais velhas reservaram para si privilégios e protecções que geram situações, verifica-se agora, de grande injustiça para os mais novos. Refiro apenas, a título de exemplo, a possibilidade de acumulação de pensões de reforma com remunerações de trabalho, ainda permitida em todo o sector privado. Esta situação, confortável para os mais velhos, impede a abertura de milhares de novos postos de trabalho para os mais jovens. As reformas e pensões têm que ser definidas, com toda a clareza, como rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho.
Orgulho-me de pertencer a uma geração que contribuiu para a melhoria das condições de vida em liberdade, para a democratização do ensino, para o direito de circulação no espaço europeu, para o alargamento do acesso a profissões qualificadas, para a valorização do mérito em relação às heranças. No entanto, sinto que as nossas responsabilidades não podem ficar por aqui. Temos o dever de identificar e abolir regras que são hoje obstáculos a uma participação mais activa dos jovens na construção do país.

(Carta endereçada ao Jornal Economico)

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